Desculpe o transtorno,
objeto em construção!
Olho para esta tela em branco de computador portátil e penso:
interrogação. Em lugar da lâmpada das histórias em quadrinhos, aquele balão
vazio, e na cara do personagem – a minha cara -, uma expressão difícil de
definir: perplexidade, cansaço, inércia, indecisão?
Este semestre, tudo diferente. Nada de filmes por enquanto.
Nem na televisão. As águas que borbulhavam ideias durante a gestação estão
calmas agora. Quer dizer, não estão, mas não sobra tempo para elas. O meu tempo
é híbrido e mistura o frenesi das aulas e idas diárias à creche para pegar o
João com a infinidade de minutos e até mesmo horas que passo sentada na cama,
vendo a Laurinha mamar. Se fosse só a fome da barriga, acho que ela acabaria
rápido. Mas tem toda essa carência ontológica de bebê, que se alimenta menos de
leite que do meu olhar.
O projeto caminha. Estou, neste momento, tentando
(re)construir meu objeto. Inspirada e obrigada a pensá-lo a partir da leitura
de Por uma sociologia reflexiva, de Pierre
Bourdieu, indo de encontro ao objeto pré-construído. Mas que raios isto
significa, na prática, para uma aspirante a pesquisadora de meio período como
eu? Uma consequência – acho que – já identifiquei. Em vez de primeiro analisar
os materiais oficiais de comunicação sobre aleitamento materno na última década
(manuais e cartazes de campanhas produzidos pelo Ministério da Saúde), munida
de um olhar pré-construído de socióloga que é parte de seu objeto, vou tentar,
antes, ouvir as mulheres que já gostaria de entrevistar. A partir de suas falas
– de suas afirmações, questionamentos, angústias – interrogar, sim, também
munida do meu olhar, que me é IneRENtE, os discursos institucionais. Talvez
isso transforme radicalmente os resultados do meu trabalho. E digo “talvez”
porque, a esta altura, não tenho certeza de nada.
À procura desse olhar novo sobre o meu objeto, tentando
reconstruí-lo em novas bases, prossigo lendo O Poder Simbólico, de Bourdieu, que é fundamental para entender as
relações de poder que se dão a partir da linguagem e de outras fontes de
capital simbólico, cultural. Paralelamente, estou conhecendo o trabalho da
pesquisadora Mary Jane Spink, que originalmente habita a seara da psicologia,
mas que enveredou pela questão das práticas discursivas e da produção de
sentidos no cotidiano social.
Por insistência do meu marido e sugestão da professora Regina
Marteleto, também tirei da prateleira – e com isto não estou dizendo que já
iniciei a leitura – A invenção do
cotidiano – 1. Artes do fazer, de Michel de Certeau, na tentativa de
compreender melhor esses fluxos de discursos e práticas que não acontecem
somente de acordo com o poder hegemônico, o discurso oficial, mas por meio das
estratégias e táticas diárias do homem comum.
Ao meu lado (rezando para que consiga me nutrir deles um
tanto por osmose), permanecem Visões do
Feminino – a medicina da mulher nos séculos XIX e XX, de Ana Paula Vosne
Martins; História das Mulheres no Brasil,
coletânea de artigos organizada por Mary Del Priore; A Medicalização do Corpo Feminino, de Elisabeth Meloni Vieira; Mãe Natureza – Uma visão feminina da
evolução – Maternidade, filhos e seleção natural, de Sarah Blaffer Hrdy; e Mulheres, mães e médicos – Discurso
maternalista no Brasil, de Maria Martha de Luna Freire, professora da UFF
que aceitou participar do evento que nós, doutorandos de 2011, estamos
organizando na disciplina Seminários Avançados I. E muitos textos avulsos,
muitos, a maioria tematizando a questão da construção de gênero, que é pano de
fundo do meu trabalho. É, digamos, onde se insere necessariamente o meu tema.
Ainda entre os desafios deste semestre, estou indo a
Montevidéu em maio para apresentar no congresso da Alaic o trabalho “Nada mais natural que amamentar” –
discursos contemporâneos sobre aleitamento materno no Brasil, em parceria
com a minha orientadora, Maria Conceição da Costa. Será a primeira vez que
participo de um evento internacional e confesso que me dá um certo frio na
barriga, aquele medo eterno de não conseguir.
Mas, neste momento, o que mais me inquieta é o COMO. Análise
de discursos para os materiais? Grupos focais e entrevistas com as mulheres? Que
caminhos metodológicos seguirei para chegar até onde queria e quero? Por onde
pisar para conseguir olhar tudo isso de um jeito meu e dizer algo minimamente
interessante, que não seja simplesmente cumprir o protocolo e chover no
molhado? Alguém, alguém? Bem, por enquanto estou me contentando em conter em
mim muitas dúvidas...
Para além do planejado, deixo a vida me levar – trocando fraldas,
dormindo pouco e sentindo a felicidade sem palavras de ver dois filhos
crescerem. Quanto vale isso no Lattes? Mais uma questão para minha lista
interminável.
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