Quem tem medo do lobo mau?
Achei, sinceramente, que fosse estar mais tranquila nesta sessão de Portfolio pós-qualificação. Afinal, meu exame aconteceu dia 7 de junho, e estava tão nervosa que acreditei que só ficaria mais nervosa às vésperas da defesa da tese. Mas não.
Considero que a banca foi um sucesso. Os critérios para definir isso? Todos os convidados aceitaram e compareceram, leram o trabalho com afinco e desejo de colaborar, trouxeram contribuições valiosas e aumentaram, em pelo menos umas duas páginas, a minha lista de referências bibliográficas necessárias. A Inesita, que felizmente pôde estar presente, fez as críticas que imaginei que faria. Disse que meu projeto era fruto de muito esforço, que aprendeu bastante sobre amamentação, que quase teve uma crise de abstinência por não poder canetar de vermelho o texto inteiro com sua compulsão por revisão, mas que, do título ao recorte, do recorte ao método, eu teria de rever muita coisa! Está explicado meu nervosismo.
Em lugar de ficar mais calma, saí com a cabeça borbulhando da Expansão, corri para dar uma “carona” a minha digníssima orientadora até o centro da cidade, voltei pra casa, almocei às três da tarde e não conseguia parar de pensar. Peguei o João mais cedo na escola, fechei as malas e voei em direção a Salvador para comemorar o aniversário da minha avó paterna. Só 90 anos celebrados com irmãos, filhos, netos, bisnetos. Fora os contraparentes e amigos que já se agregaram à família. Uma festa. Mas a cabeça não pensava em parar.
Agora não tenho mais desculpas, nem subterfúgios. O tempo urge e me atropela nas demandas, que, para variar, somam-se às angústias da empregada que ameaça pedir demissão porque não aguenta mais chegar tarde em casa, aos dilemas familiares, ao João que voltou da terrinha doente, direto para a emergência com uma forte reação alérgica que nem sei exatamente a quê. Mil preocupações. Estou qualificada e ainda não decidi: precisamente, qual é o meu problema de pesquisa? Com que sujeitos pesquisados vou trabalhar? E a metodologia, será mesmo grupo focal aliado a entrevistas ou existem alternativas a descobrir a esta altura do campeonato? Sem contar que preciso, o mais rápido possível, fechar os instrumentos de coleta – roteiro de entrevistas e dinâmicas propostas – para, enfim, submeter o projeto ao Comitê de Ética.
Da qualificação, além dessas questões, complexas e decisivas, ficaram sugestões necessárias, como contextualizar melhor a vinculação dos novos modelos de maternidade e papéis sociais da mulher a questões políticas, econômicas e sociais ao longo da história, a partir da reflexão de autores como Susan Besse, relacionando a esfera reprodutiva à produtiva; falar do que Karen Giffin chamou de “transição de gênero”, com a precarização da situação da mulher no mercado de trabalho; abordar a questão da construção histórica do binômio mãe-filho e recuperar o papel ativo das mulheres nesse processo; problematizar a atenção à mulher nos serviços de saúde, tendo como exemplo possível a discussão feita por Regina Simões-Barbosa em sua tese de doutorado sobre assistência a gestantes portadoras do vírus HIV; contrapor esse modelo de atenção à saúde da mulher que ainda temos hoje às propostas do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Paism), idealizado na década de 90 e nunca posto, plenamente, em prática; e aprofundar a crítica aos meios de comunicação embasando melhor o conceito de ideologia, por meio de autores como John Thompson; entre muitas outras.
Dá um frio na barriga quando penso que agora tenho cronograma, projeto qualificado, banca em potencial e compromisso com a apresentação final desse projeto, que começou a ser gestado em 2009, naquele momento sem qualquer certeza de realização. Como escrevi já algumas vezes, apesar de estar em um curso de doutoramento, considero-me uma pesquisadora diletante, ou mesmo uma jornalista que, aqui e ali, arvora-se a mergulhar num tema como quem faz uma grande reportagem.
Mas, neste momento pós-qualificação, admito que sinto um medo que nunca havia sentido tão real antes: o medo de ser cobrada, de virar doutora e, entre aspas, voz autorizada em alguma coisa, de encarar as presenças e as faltas que o meu trabalho, inevitavelmente, terá. Medo, como enunciou Foucault, de entrar nessa perigosa ordem do discurso, ainda mais sabendo que, em alguma medida, minha fala está certamente sujeita a velhas e conhecidas interdições, interdições essas que se travestem, hoje, da verdade politicamente correta do aleitamento materno como política e da promoção da saúde como discurso mais amplo.
Quem tem medo do lobo mau? Quem não tem que atire a primeira pedra.
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