quinta-feira, 7 de abril de 2011

Fichamento 2


MINAYO, Ma. Cecília de S. Contribuições da antropologia para pensar e fazer saúde. In: CAMPOS, Gastão W.S. ET AL. Tratado de Saúde Coletiva. 2ª ed. São Paulo: Ed. Hucitec, Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, p. 189-218.

Resumo
A autora busca abordar as contribuições que a entrada das reflexões da antropologia no campo da saúde trouxe para a área, sobretudo para pensar o binômio saúde-doença nos dias atuais. Ao longo do texto, segue um percurso que abarca desde o surgimento da antropologia, suas relações com as disciplinas científicas e seu diferencial como ciência (a compreensão da cultura como elemento fundador da experiência humana) até as contribuições da antropologia para o campo da saúde e as dificuldades e entraves que surgem na sua relação com essa área de conhecimento. Aborda, ainda, as características da antropologia da saúde made in brazil e suas diferenças fundamentais em relação ao trabalho desenvolvido internacionalmente.

Ideias principais

- Contribuição da antropologia para o concerto das disciplinas científicas: A antropologia surge no final do século XIX e marca seu lugar como disciplina tendo como objetivo investigar o modo como as sociedades humanas ou grupos humanos específicos produzem o mundo por meio de processos de significação e classificação. Além de se debruçar sobre a análise da(s) cultura(s), ela também empreende um processo de auto-reflexão, realizando “a crítica do próprio pensamento científico produzido por ela própria” (p.190). Sua grande contribuição para o campo da saúde se dá por meio de uma crítica ao pensamento científico duro, tradicional, que se constrói sobre o paradigma de que é mais verdadeiro e legítimo do que o que Lévi-Strauss chamou de pensamento mítico. Através de sua tradição de compreensão da cultura, que passa a ocupar um lugar de objetividade por onde passam o político, o religioso e outras instâncias da vida social, a antropologia traz para o campo da saúde:
1. A percepção de que a doença é um “híbrido biológico social”, expressão cunhada por Latour (1994), ou seja, uma condição/vivência que não é apenas biológica, orgânica, natural, mas está imbricada em sentidos sociais e culturais produzidos em cada grupo humano. E isto contribui para relativizar a visão biomédica sobre saúde e doença;
2. A descoberta de que, assim como saúde e doença são conceitos biológicos e sociais, também os mecanismos terapêuticos e de cura estão ligados a um funcionamento, ou, como apontou Lévi-Strauss (1963), dependem da “eficácia simbólica”, que, por sua vez, surge da relação de confiança estabelecida entre médico, paciente e ambiente cultural;
3. O entendimento da doença como “fato social total” (Mauss, 1950), acontecimento que mobiliza tanto o corpo quanto o emocional, uma mobilização de tal grandeza que termina por afetar as relações do indivíduo em comunidade. Essa concepção da saúde e da doença como representações biológicas fortemente ligadas à cultura é o que faz delas janelas para a compreensão das relações sociais e das instituições e seus mecanismos. É ainda esse entendimento que permite a Douglas (1970) afirmar que é o corpo social que limita a forma pelo qual o corpo físico é percebido em cada época e sociedade em particular;
4. A ênfase na contextualização dos fenômenos ou processos que envolvam ser humano, no âmbito individual ou em coletividade, lembrando que, no campo da saúde, a formação histórico-cultural de uma população e a configuração econômica, social e política interferem no quadro de saúde e na doença;  
5. A contribuição na abordagem metodológica, que agrega ao campo da saúde a importância de levar em consideração: os valores culturais, representações e opiniões sobre saúde-doença tanto os biomédicos como os chamados “tradicionais”, contra os quais a ciência se impôs para a constituição do campo; as relações entre profissionais da saúde, pacientes e seus familiares, as lógicas das próprias instituições de saúde e de movimentos sociais; e a avaliação de políticas e práticas de atenção em saúde em todas as suas etapas, desde a formulação até a aplicação técnica, considerando suas significações entre todos os sujeitos envolvidos. A ideia de ouvir antes de prescrever e a necessidade de interlocução (a reciprocidade intersubjetiva) entre os atores são parte do arcabouço antropológico aplicável à saúde.  

- Dificuldades na relação da antropologia com a saúde: Para a autora, os principais entraves entre a antropologia e a saúde encontram-se em ambos os campos. Do lado da saúde, as questões são 1) o retorno a uma concepção meramente biológica da saúde-doença que advém da ideologia que acompanhou o desenvolvimento da genética contemporânea, deixando de fora o aspecto social desse binômio (o reducionismo biomédico); e 2) o tecnicismo da clínica e da epidemiologia, que cria a ideia  de que a verdade é composta de números e dados, e que o sujeito histórico não compõe esse panorama. Do lado da antropologia, a tendência apontada anteriormente às avessas, ou seja, perceber o ser humano apenas como cultural. Minayo critica a postura de antropólogos que esquecem que o ser humano é composto por um corpo que também é biológico, e que, portanto, embora imbricado às representações sociais da saúde e da doença, mostra-se saudável ou, por vezes, objetivamente adoece.    

- Antropologia da saúde no Brasil, diversidade da produção e situação no contexto internacional: A autora aponta, em primeiro lugar, a opção pelo uso da terminologia antropologia da saúde em lugar de antropologia médica, pois essa nomenclatura tem sido mais utilizada no meio científico nacional e, no Brasil, reflete melhor a produção na área, que engloba abordagens de prevenção, promoção e qualidade de vida. Apresenta críticas e avanços alcançados pela antropologia da saúde latino-americana, iniciada por volta de 1920, para, em seguida, tratar do campo no contexto brasileiro. Minayo explica que, embora seja um campo novo, a antropologia da saúde no país tem atendido a uma demanda cada vez maior da sociedade em razão das novas questões que se vêm colocando para a saúde coletiva. Destaca que em nosso país os antropólogos demoraram a ingressar nas pesquisas e intervenções em saúde, o que aconteceu, timidamente, a partir de 1970 e 1980, sob a influência do Movimento Sanitário. A autora também fala da importância da Abrasco no desenvolvimento das pesquisas em antropologia da saúde ao lado de outras disciplinas e modalidades das ciências sociais; cita a abrangência dos estudos, que abarcam populações indígenas, rurais e urbanas; e aborda o perfil dos antropólogos com formação stricto sensu que atuam no campo, geralmente contratados ou concursados para atuar em programas de pós-graduação e de pesquisa em saúde coletiva. Desenvolve, ainda, uma classificação interna da produção antropológica brasileira (a nosso ver, desnecessária), dividida em quatro nichos compostos por: antropólogos stricto sensu e antropólogos da saúde; antropólogos que atuam no setor específico da saúde; antropólogos que atuam em departamentos pluridisciplinares e produzem abordagens interdisciplinares da área; e profissionais de outras áreas que se apropriam do instrumental teórico-metodológico da antropologia para trabalhar com seus próprios objetos.

Conclusões

Após retomar o percurso feito ao longo do texto, demonstrando contribuições e dificuldades que permeiam a relação da antropologia com o campo da saúde, a autora conclui que o mais importante é considerar o fato incontestável de que tanto a saúde quanto a doença envolvem efeitos que se dão no corpo e no imaginário dos indivíduos, e que, em ambos os casos, os efeitos e conseqüências são reais. Minayo defende a necessidade de os profissionais e gestores da saúde levarem em consideração os valores, atitudes e crenças das pessoas que são público-alvo de tratamentos ou ações de prevenção ou promoção da saúde. Segundo ela, compreender e valorizar a força da cultura na vivência humana (grande contribuição da antropologia para o campo da saúde) não fará das ciências da saúde menos científicas, como pensam alguns; ao contrário, permitirá que elas tenham maior domínio dos fenômenos sobre os quais se debruçam.    

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