
Resumo
A autora busca abordar as
contribuições que a entrada das reflexões da antropologia no campo da saúde trouxe
para a área, sobretudo para pensar o binômio saúde-doença nos dias atuais. Ao
longo do texto, segue um percurso que abarca desde o surgimento da antropologia,
suas relações com as disciplinas científicas e seu diferencial como ciência (a
compreensão da cultura como elemento fundador da experiência humana) até as
contribuições da antropologia para o campo da saúde e as dificuldades e
entraves que surgem na sua relação com essa área de conhecimento. Aborda,
ainda, as características da antropologia da saúde made in brazil e suas diferenças fundamentais em relação ao
trabalho desenvolvido internacionalmente.
Ideias principais
- Contribuição da
antropologia para o concerto das disciplinas científicas: A antropologia surge
no final do século XIX e marca seu lugar como disciplina tendo como objetivo
investigar o modo como as sociedades humanas ou grupos humanos específicos produzem
o mundo por meio de processos de significação e classificação. Além de se
debruçar sobre a análise da(s) cultura(s), ela também empreende um processo de
auto-reflexão, realizando “a crítica do próprio pensamento científico produzido
por ela própria” (p.190). Sua grande contribuição para o campo da saúde se dá
por meio de uma crítica ao pensamento científico duro, tradicional, que se
constrói sobre o paradigma de que é mais verdadeiro e legítimo do que o que
Lévi-Strauss chamou de pensamento mítico. Através de sua tradição de
compreensão da cultura, que passa a ocupar um lugar de objetividade por onde
passam o político, o religioso e outras instâncias da vida social, a
antropologia traz para o campo da saúde:
1.
A
percepção de que a doença é um “híbrido biológico social”, expressão cunhada
por Latour (1994), ou seja, uma condição/vivência que não é apenas biológica,
orgânica, natural, mas está imbricada em sentidos sociais e culturais
produzidos em cada grupo humano. E isto contribui para relativizar a visão
biomédica sobre saúde e doença;
2.
A
descoberta de que, assim como saúde e doença são conceitos biológicos e
sociais, também os mecanismos terapêuticos e de cura estão ligados a um
funcionamento, ou, como apontou Lévi-Strauss (1963), dependem da “eficácia
simbólica”, que, por sua vez, surge da relação de confiança estabelecida entre
médico, paciente e ambiente cultural;
3. O entendimento da
doença como “fato social total” (Mauss, 1950), acontecimento que mobiliza tanto
o corpo quanto o emocional, uma mobilização de tal grandeza que termina por afetar
as relações do indivíduo em
comunidade. Essa concepção da saúde e da doença como
representações biológicas fortemente ligadas à cultura é o que faz delas janelas
para a compreensão das relações sociais e das instituições e seus mecanismos. É
ainda esse entendimento que permite a Douglas (1970) afirmar que é o corpo
social que limita a forma pelo qual o corpo físico é percebido em cada época e
sociedade em particular;
4.
A
ênfase na contextualização dos fenômenos ou processos que envolvam ser humano,
no âmbito individual ou em coletividade, lembrando que, no campo da saúde, a
formação histórico-cultural de uma população e a configuração econômica, social
e política interferem no quadro de saúde e na doença;
5.
A
contribuição na abordagem metodológica, que agrega ao campo da saúde a
importância de levar em consideração: os valores culturais, representações e
opiniões sobre saúde-doença tanto os biomédicos como os chamados
“tradicionais”, contra os quais a ciência se impôs para a constituição do
campo; as relações entre profissionais da saúde, pacientes e seus familiares,
as lógicas das próprias instituições de saúde e de movimentos sociais; e a
avaliação de políticas e práticas de atenção em saúde em todas as suas etapas,
desde a formulação até a aplicação técnica, considerando suas significações
entre todos os sujeitos envolvidos. A ideia de ouvir antes de prescrever e a
necessidade de interlocução (a reciprocidade intersubjetiva) entre os atores são
parte do arcabouço antropológico aplicável à saúde.
- Dificuldades na relação
da antropologia com a saúde: Para a autora, os principais entraves entre a antropologia
e a saúde encontram-se em ambos os campos. Do lado da saúde, as questões são 1)
o retorno a uma concepção meramente biológica da saúde-doença que advém da
ideologia que acompanhou o desenvolvimento da genética contemporânea, deixando
de fora o aspecto social desse binômio (o reducionismo biomédico); e 2) o
tecnicismo da clínica e da epidemiologia, que cria a ideia de que a verdade é composta de números e dados,
e que o sujeito histórico não compõe esse panorama. Do lado da antropologia, a
tendência apontada anteriormente às avessas, ou seja, perceber o ser humano apenas
como cultural. Minayo critica a postura de antropólogos que esquecem que o ser
humano é composto por um corpo que também é biológico, e que, portanto, embora imbricado
às representações sociais da saúde e da doença, mostra-se saudável ou, por
vezes, objetivamente adoece.
- Antropologia da saúde no
Brasil, diversidade da produção e situação no contexto internacional: A autora aponta, em
primeiro lugar, a opção pelo uso da terminologia antropologia da saúde em lugar
de antropologia médica, pois essa nomenclatura tem sido mais utilizada no meio
científico nacional e, no Brasil, reflete melhor a produção na área, que
engloba abordagens de prevenção, promoção e qualidade de vida. Apresenta
críticas e avanços alcançados pela antropologia da saúde latino-americana,
iniciada por volta de 1920, para, em seguida, tratar do campo no contexto
brasileiro. Minayo explica que, embora seja um campo novo, a antropologia da
saúde no país tem atendido a uma demanda cada vez maior da sociedade em razão
das novas questões que se vêm colocando para a saúde coletiva. Destaca que em
nosso país os antropólogos demoraram a ingressar nas pesquisas e intervenções
em saúde, o que aconteceu, timidamente, a partir de 1970 e 1980, sob a
influência do Movimento Sanitário. A autora também fala da importância da
Abrasco no desenvolvimento das pesquisas em antropologia da saúde ao lado de
outras disciplinas e modalidades das ciências sociais; cita a abrangência dos
estudos, que abarcam populações indígenas, rurais e urbanas; e aborda o perfil
dos antropólogos com formação stricto
sensu que atuam no campo, geralmente contratados ou concursados para atuar
em programas de pós-graduação e de pesquisa em saúde coletiva. Desenvolve,
ainda, uma classificação interna da produção antropológica brasileira (a nosso
ver, desnecessária), dividida em quatro nichos compostos por: antropólogos stricto sensu e antropólogos da saúde; antropólogos
que atuam no setor específico da saúde; antropólogos que atuam em departamentos
pluridisciplinares e produzem abordagens interdisciplinares da área; e
profissionais de outras áreas que se apropriam do instrumental
teórico-metodológico da antropologia para trabalhar com seus próprios objetos.
Conclusões
Após retomar o percurso
feito ao longo do texto, demonstrando contribuições e dificuldades que permeiam
a relação da antropologia com o campo da saúde, a autora conclui que o mais
importante é considerar o fato incontestável de que tanto a saúde quanto a
doença envolvem efeitos que se dão no corpo e no imaginário dos indivíduos, e
que, em ambos os casos, os efeitos e conseqüências são reais. Minayo defende a
necessidade de os profissionais e gestores da saúde levarem em consideração os
valores, atitudes e crenças das pessoas que são público-alvo de tratamentos ou
ações de prevenção ou promoção da saúde. Segundo ela, compreender e valorizar a
força da cultura na vivência humana (grande contribuição da antropologia para o
campo da saúde) não fará das ciências da saúde menos científicas, como pensam
alguns; ao contrário, permitirá que elas tenham maior domínio dos fenômenos
sobre os quais se debruçam.
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